Notas sobre “Love, Victor”, “My So-Called Life” e a velha coming out story
Nem preciso dizer que esse texto contém spoilers da primeira temporada de “Love, Victor” e da série “My So-Called Life”, certo?
“Love, Victor” é uma série adolescente derivada do filme “Love, Simon”, de 2018. Criada por Isaac Aptaker e Elizabeth Berger, mesmos roteiristas do filme (que por sua vez é baseado no livro “Simon vs. the Homo Sapiens Agenda” de Becky Albertalli), a série conta a história de Victor (Michael Cimino), aluno novo na Creekwood High, que está em conflito com a sua sexualidade e começa a se comunicar por mensagens com Simon (Nick Robinson) depois de ouvir a história de como ele se declarou para o futuro namorado na frente da cidade inteira.
Eu estava ansioso pela série desde que foi divulgada a notícia que o Disney+ ia produzir uma sequência de “Love, Simon”, primeira comédia romântica adolescente com protagonista gay lançada por um grande estúdio hollywoodiano. Então disseram que não seria bem uma continuação, mas uma história que se passava no mesmo universo. Daí a série migrou do Disney+ para o serviço de streaming Hulu (disseram que a história tratava de temas “adultos” demais pro Disney+ cof cof também conhecido como “caso moderado de homofobia” ou “somos progressistas, mas nem tanto”). E então todos os 10 episódios foram finalmente lançados e eu só não devorei a série em um dia porque combinei de assistir com meu namorado.
Recheada de clichês de histórias adolescentes, “Love, Victor” não apresenta nada de novo. Mas nem por isso é uma série ruim, muito pelo contrário. Me lembrou muito uma outra série adolescente que maratonei com o Léo durante a pandemia: “My So-Called Life”. Assim como “Love, Victor”, MSCL também se passa dentro do ambiente escolar e familiar de um protagonista adolescente que está tentando descobrir seu lugar no mundo, sua identidade.
Em comum entre as duas séries há também a tensão no casamento dos pais dos protagonistas (e a presença de um irmão mais novo que é meio aleatório na história — Danielle, te amo!). Enquanto MSCL tem como personagem principal Angela (Claire rainha-da-minha-vida Danes), uma garota branca heterossexual que passa a série inteira divagando sobre sua paixão por Jordan Catellano (entre outras questões mais profundas a respeito de crescimento e amadurecimento), “Love, Victor” apresenta como seu protagonista um garoto latino e gay que está tentando entender o que sente e aceitar sua sexualidade.
“My So-Called Life” foi a primeira série de TV aberta americana a mostrar um personagem adolescente homossexual, interpretado por um ator igualmente homossexual. Nesse quesito “Love, Victor” fica bem atrás. Apesar de termos um personagem protagonista gay, os atores que interpretam Victor e Benji são héteros. Em um momento que temos “POSE” quebrando barreiras na indústria, “Love, Victor” não é nada groundbreaking.
Durante muito tempo, personagens gays foram participações esporádicas e depois coadjuvantes nas tramas e suas storylines na maioria das vezes se resumiam a se assumir como gays. Esse é basicamente o desenvolvimento de Rickie Vasquez (Wilson Cruz) em MSCL. Em 1994, Rickie era o único personagem adolescente gay na TV aberta norte-americana. Assim como Victor, Rickie também é um garoto gay latino, mas diferente do primeiro, Vasquez é negro, afeminado e extravagante. Victor é atleta e naturalmente lido como hétero (uma mistura de Simon e Bram do filme/livro). Rickie também tenta engatar um romance com uma garota, mas vê que não daria certo e no final se assume gay. Talvez se a série tivesse ganho uma segunda temporada, teríamos visto um desenvolvimento do personagem além da sua coming out story.
Quando Rickie é apresentado já sabemos que ele é queer pela caracterização do personagem, o delineador nos olhos, as roupas que ele veste, o jeito que ele se porta. Victor sabemos que é gay porque esse é o mote da série (e também porque ele revela ao espectador, mas não aos outros personagens, suas questões internas). Victor só consegue dizer “I’m gay” no último segundo do último episódio da temporada, confessando seu segredo a seus pais católicos. E assim se dá o grande gancho para a próxima temporada, que deve desenvolver a história de Victor para além da “saída do armário”.
Dito tudo isso, preciso falar que eu amo “Love, Victor”, mesmo com todas suas questões. Pelo simples fato de me ver representado na tela. Toda vez que eu vejo um adolescente gay saindo do armário eu me sinto parte daquilo, me sinto pertencente ao mundo. E sinto que também estou vivendo junto com o personagem o que eu não vivi. Eu não saí do armário com 16 anos (adicione 6 anos à conta) então eu não sei como foi viver um amor adolescente durante o colégio (apesar de poder dizer que vivi um amor adolescente aos 22 anos, mas isso é assunto pra terapia, talvez). Ao mesmo tempo, meus pais são religiosos como os pais do Victor, então isso me aproxima ainda mais do personagem. É como Simon diz a Victor no oitavo episódio da série:
“Minha história não é igual a sua, mas a sua tem um pouco de cada um de nós. Isso é nosso senso de comunidade”.
Desculpem o uso da frase, mas É SOBRE ISSO! Por mais bobinha, por mais clichê que a história possa ser, como gay eu me conecto com ela, eu me vejo nela, eu me sinto nela. Cada passo que o Victor dava em direção à aceitação, era como uma conquista pessoal para mim. Eu revi a primeira temporada inteira e o quentinho no coração e o frio na barriga se mantiveram. E eu mal posso esperar para maratonar a segunda temporada que estreia nesta sexta pra reviver todos esses sentimentos.
Se você chegou até aqui, confere também os posts sobre o universo Creekwood que estão no nosso perfil literário no instagram, o @twoboysreading! Lá falamos também dos elementos que "Love, Victor" pega emprestado diretamente dos livros do Simonverso.